Tudo quanto arde
Beatriz Azevedo

 

Editora Palavra Muda

 


Apresentação de Carlos Rodrigues Brandão

 

“Neste seu primeiro livro, Beatriz povoa as folhas do papel branco com uma criativa ousadia de dizer, afinal, as mesmas coisas do cotidiano (o “isso” que é matéria de nossas vidas e nossos dias) com uma aguda coragem de dizer.  E porque “isso” é poesia, pensar não só sobre o que está escrito, mas também – e intrigantemente – em porque foi dito justamente “assim”:

Entre ter-te e entreter-te
prefiro que entre
onde procuro ver-te
naquele ventre
onde posso ser-te

Isso é muito mais que um jogo de palavras, porque muito embora possa haver na poesia de Beatriz o desejo bom de brincar com elas, de empilhá-las como móbiles, em delicioso equilíbrio, em fazê-las girarem ao redor do olhar, em tirar delas algo mais sutil que o simples trocadilho, tudo aqui é fruto de um trabalho difícil que caça as palavras, investe sobre as suas alternativas, convoca-as a saírem por um instante da retórica da banalidade que as gasta e maltrata a toda hora, e busca, mais do que na mina fácil da rima, no próprio entrechoque dos sons e sentidos imprevistos da fala, um arranjo corajosamente inesperado, severo, agudo e sentimental, onde a aparência da brincadeira mais a fundo se realiza como a experiência da revelação.

E em qualquer poeta, é isso, mais o “sentimento do mundo”, o que faz a sua melhor poesia: saber dizer-se sem complicações, mas a descoberto, de tal maneira que, lida, a experiência da vida possa mostrar-se sempre mais surpreendente do que, fora da arte e da poesia, ela costuma parecer. Eis Beatriz, que muitos anos depois, muito mais moça, mas não tão distante assim de Fernando Pessoa, disse isso com que completo o prefácio:

Minha palavra boca
quer beijar o profundo dos olhos
que dançam perto dos meus
e se amam
no de dentro

da boca palavra Deus”

Carlos Rodrigues Brandão